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terça-feira, 6 de julho de 2010

O poder de cura da meditação

Crescem as comprovações da eficácia da prática da meditação na melhora de uma variedade cada vez maior de doenças como câncer, depressão e problemas cardíacos.

A prática da meditação hoje ganhou status e, devido às comprovações científicas, está se transformando em um dos mais respeitados recursos terapêuticos empregados pela medicina tradicional ocidental.

Nesta prática milenar o principal objetivo é limpar a mente dos excessivos, confusos e desnecessários pensamentos que por ela flutuam a cada segundo, ajudando o indivíduo a focar no momento presente. Assim, é um excelente método para ajudar as pessoas a lidarem com sentimentos como a ansiedade.

O que temos agora são inúmeras pesquisas científicas em que a meditação é vista e recomendada aos pacientes como um remédio acessível e sem efeitos colaterais. E já é indicada para um vasto leque de desequilíbrios como a depressão, a redução de dores e até mesmo redução dos efeitos colaterais do câncer.

A meditação tem conquistado o respeito da medicina tradicional porque tem passado nas provas de eficácia realizadas de acordo com a ciência ocidental. Aos olhos dos pesquisadores foi eliminado o caráter esotérico, a prática se mostrou um recurso possível e acessível a todos. De fato o método provou-se capaz de promover no organismo mudanças fisiológicas importantes.

A inclusão da prática como uma opção de tratamento dentro da medicina ocidental é um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos figura entre as opções de centros renomados como o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos centros de referência no tratamento da doença. Também está disponível na Clínica Mayo, outro respeitado serviço de saúde.

No Brasil, começa a ganhar espaço, boa parte dele assegurado pela Política de Práticas Integrativas e Complementares do SUS, implementada em 2006 pelo Ministério da Saúde. Ela incentiva o uso, pela rede pública, de uma série de práticas não convencionais – como a medicina tradicional chinesa, a acupuntura e a fitoterapia – para auxiliar no processo de cura.

Em Campinas, São Paulo, já há postos de saúde oferecendo treinamentos de meditação gratuitos à população. E em São Carlos, alguns postos públicos de atendimento ofertarão em breve sessões usando uma técnica conhecida como atenção plena (Mindfulness-Based Stress Reduction), desenvolvida pelo Centro Médico da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos. Esta técnica é baseada em exercícios de respiração e consciência corporal que ajudam o indivíduo a focar as percepções no momento presente.

Outra experiência interessante no Brasil é o uso do método em escolas da rede estadual do ensino médio do Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa da Fundação David Lynch, criada pelo cineasta americano, com o objetivo de reduzir a violência nos colégios por meio da prática. Um projeto piloto com cerca de 750 crianças e adolescentes de 10 a 18 anos mostrou que ela contribui para o aumento da concentração e da criatividade. Muitas relataram também redução de dor de cabeça.

O Hospital Albert Einstein, em São Paulo, decidiu oferecer a prática tanto para pacientes quanto para funcionários, depois de testá-la por dois anos no setor de oncologia. Segundo o hospital, há uma clara percepção da diminuição na ansiedade e maior disposição para enfrentar a doença.

As pesquisas mais impressionantes vêm dos estudos que se propõem a investigar seus efeitos no cérebro. Um exemplo é o trabalho realizado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e publicado na revista científica “NeuroImage”. Após compararem o cérebro de 22 meditadores com o de 22 pessoas que nunca meditaram, eles descobriram que os praticantes possuem algumas estruturas cerebrais maiores do que as dos não praticantes. Especificamente, hipocampo, tálamo e córtex orbitofrontal. As duas primeiras estão envolvidas no processamento das emoções. E a terceira região, no raciocínio. As pessoas que meditam têm uma habilidade singular para cultivar emoções positivas.

Na publicação “Psychological Science”, há outro trabalho interessante. Pesquisadores da Universidade George Mason constataram que a prática proporciona uma melhora significativa na memória visual. Normalmente, uma imagem é armazenada integralmente no cérebro por pouquíssimo tempo. Mas o estudo verificou que monges, habituados a meditar todos os dias, conseguem guardá-las, com riqueza de detalhes, até 30 minutos depois de praticar. Essa habilidade transforma a técnica em um potencial instrumento para complementar o tratamento de doenças que prejudiquem a memória, como o mal de Alzheimer.

No Brasil, no Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, através da técnica de ressonância magnética foram fotografados os cérebros de 100 voluntários, antes e depois de um retiro de uma semana para práticas diárias. Foi observado que as áreas ligadas à atenção, como o córtex pré-frontal e o cíngulo anterior, ficaram mais ativadas após a meditação. As regiões cerebrais eram observadas enquanto os voluntários realizavam testes para medir o quanto estavam atentos. Após a prática houveram mais acertos e mais velocidade nas respostas.

Na área da oncologia, há um estudo feito na Universidade de Brasília pelo psiquiatra Juarez Iório Castellar. Ele investiga os efeitos do método em 80 pacientes com histórico de câncer de mama. Castellar pediu às participantes que preenchessem questionários para medir a qualidade de vida. Por meio da coleta de amostras de sangue e saliva antes e depois dos exercícios meditativos, ele também está acompanhando variações hormonais que indicam a situação da doença. Foi verificado que a meditação reduziu os efeitos colaterais da quimioterapia, como náuseas, vômitos, insônia e inapetência.

Com as doenças mentais, as conclusões das pesquisas também foram positivas. Na Universidade de Exeter, na Inglaterra, o pesquisador Willem Kuyken verificou que o método é uma opção concreta para auxiliar no controle da depressão a longo prazo. Depois de 15 meses comparando a evolução de pacientes que meditavam e tomavam remédios com a apresentada por aqueles que apenas usavam os antidepressivos, o cientista constatou que crises mais sérias ocorreram em 47% dos meditadores, enquanto entre os outros o índice foi de 60%. Na Universidade George Washington, nos Estados Unidos, a técnica provou-se uma aliada no tratamento de crianças com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção com redução de 50% dos sintomas após três meses de prática. Há também benefícios na luta contra transtornos alimentares como bulimia e dependência de drogas, pois relaxa os dependentes e os torna mais fortes para resistir ao desejo de consumo.

A explicação para a melhora significativa das doenças com a prática é que ela ensina o indivíduo a viver o presente, sem antecipar medos e sofrimentos. É dada à mente a chance de desligar e relaxar, experimentando um profundo silêncio. A partir daí, o corpo físico também fica relaxado. É este o mecanismo que também explica parte do seu poder contra a dor.

A redução do stress proporcionada pelo método é facilmente explicada: a liberação do hormônio cortisol em situações de stress tem consequências danosas e uma delas é a elevação da pressão arterial. Quanto menor sua concentração, mais baixas são as chances de hipertensão. E como a meditação diminui o stress, acaba reduzindo, indiretamente, a pressão. Este mecanismo explica por que a técnica contribui para a prevenção de doenças cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral, causadas, entre outras coisas, por uma pressão arterial acima dos níveis recomendados. Um estudo recente realizado na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, deu uma ideia desse potencial. Durante nove anos, os cientistas acompanharam 201 homens e mulheres com média de 59 anos de idade. Parte foi orientada a meditar todos os dias e o restante recebeu recomendação para mudar hábitos. Os meditadores tiveram 47% menos chance de morrer de um problema cardiovascular em comparação com os outros.

Foi comprovado mais um benefício da redução do stress promovida pelo método: o auxílio contra a Aids. A doença caracteriza-se pelo ataque do vírus HIV aos linfócitos CD-4 (células que integram o sistema de defesa do corpo). Por causa disso, o corpo fica mais vulnerável a infecções, podendo sucumbir a elas. Outro inimigo dos exércitos de defesa é o stress: o hormônio cortisol enfraquece seu funcionamento. Por isso, diminuir a tensão é uma maneira de evitar que isso aconteça. A preservação do sistema imunológico dos pacientes ajuda a retardar o avanço do HIV.

A relação da meditação com a luta ao envelhecimento precoce também obteve resultados positivos nas pesquisas. Os pesquisadores começaram a fazer esta associação a partir da certeza do vínculo entre o stress e a deterioração celular acentuada. Partindo desse raciocínio, eles querem saber se a meditação também teria efeito indireto nesse mecanismo, já que atua sobre o stress. Cientistas da Universidade da Califórnia estão investigando se a redução do stress causada pela meditação poderia provocar um efeito benéfico sobre os telômeros – espécie de capa protetora das extremidades dos cromossomos cujo comprimento está associado ao grau de envelhecimento celular. Quanto mais comprido, menor o índice de desgaste. E um dos fatores de desgaste dos telômeros é o stress. Portanto, quanto menos stress, mais preservadas essas estruturas.

Fonte: Reportagem O Poder da Meditação, revista Isto É, 24 de fevereiro de 2010.

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