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domingo, 2 de maio de 2010

O poder dos Mudras

por Tatiane Rangel


Na filosofia do Yoga e da Ayurveda, a saúde plena é o resultado da sintonia do ser individual, o microcosmo, com o Universo, o macrocosmo. Esta sincronia é a base do equilíbrio e da cura. Os Mudras são poderosas técnicas que nos permitem sintonizar com freqüências específicas de energia do Universo.

A prática de Yoga gera uma intensa quantidade de energia, que é facilmente percebida pelos praticantes mais atentos. Para evitar que esta energia se dissipe usamos as técnicas dos mudras: geram mais energia e a mantém circulando no corpo por mais tempo.
Mudra, em sânscrito, significa selo e é associado a práticas yogis feitas para conter, dirigir ou aumentar a força vital.

São práticas que proporcionam o controle do fluxo de energia vital, de prana, no corpo. Normalmente este fluxo é dissipado através dos cinco sentidos. Com o controle do fluxo é possível o redirecionamento da energia para os chakras superiores, permitindo atingir estados elevados de consciência.

Mudras (se pronuncia mudrás), no entanto, são julgados por muitos apenas como gestos das mãos, os chamados hasta mudras. No entanto, existem outros, técnicas específicas que são feitas com o corpo. Não são ásanas, não são hasta mudras, não são pranayamas, não são exercícios de concentração ou de visualização, mas uma combinação de todas essas técnicas ou de parte delas.

Segundo Ingrid Ramm-Bonwitt, em seu livro Mudras, “são caracterizados como gestos, posicionamento místico das mãos, como selo ou também como símbolo. Estas posturas simbólicas dos dedos ou do corpo podem representar plasticamente determinados estados ou processos da consciência. Mas as posturas determinadas podem também, ao contrário, levar aos estados de consciência que simbolizam. Parece que os mudras originaram-se na dança indiana, que é considerada expressão da mais elevada religiosidade. [...] O significado espiritual dos mudras encontra sua expressão perfeita na arte indiana. Os gestos das divindades representadas na arte hinduísta e buddhista e os atributos que os acompanham simbolizam suas funções ou aludem a determinados acontecimentos mitológicos. [...] No decorrer dos séculos, os buddhas e bodhisattvas representados iconograficamente com seus gestos simbólicos e atributos propiciaram o estado de espírito próprio da meditação e criaram uma profunda atmosfera de crença.”

Nos rituais tântricos de maithuna (união sexual), mudra é o nome dado a um dos tipos de Shakti, a essência feminina, a mulher, que participa do ritual. Os diferentes tipos de mudras estão descritos nos principais textos clássicos do Yoga.

Segundo George Feurstein em seu livro A Tradição do Yoga “a origem dos gestos das mãos usados nos rituais tântricos é obscura. Eles provavelmente remontam aos tempos védicos, quando as cerimônias sacrificiais exigiam a manipulação meticulosa de objetos como a concha com que se faz a libação de soma (seiva da imortalidade)”.

Os gestos das mãos direcionam o prana de maneira específica. Cada mudra redireciona, ativa e libera a energia que circula pelos canais energéticos estimulando os centros cerebrais, os nervos e os órgãos, beneficiando todo o sistema físico, neuromuscular e glandular. Porém, são efeitos sutis, sendo necessário desenvolver a sensibilidade para senti-los. Os grandes yogues perceberam, muito antes do mapeamento do cérebro pela ciência, que as mãos são as partes do corpo humano que mais possuem terminações nervosas no cérebro.

Os mudras são técnicas avançadas que apenas devem ser executadas uma vez dominados, com algum conforto, ásanas, pranayamas, drishtis e bandhas. A indicação dos mudras nos textos clássicos aparecem sempre depois das instruções sobre ásana e, com exceção da Gheranda Samhita, também depois do pranayama.

Segundo Satyananda “mudras são um combinação de movimentos físicos sutis que alteram a disposição, atitude e percepção, e que aprofundam a atenção e concentração”. São também técnicas apontadas pelos Shastras como importantes para o despertar da Kundalini. Segundo o Hatha Yoga Pradipika, “deve-se praticar com empenho os diversos mudras a fim de despertar a poderosa deusa kundaliní que dorme fechando a porta de acesso ao Absoluto (sushumná nadi).”

Os dez mudras descritos neste texto clássico são: mahamudra, mahabandha, mahavedha, khechari, uddiyana bandha, mula bandha, jalandhara bandha, viparita karani, vajroli mudra e shakti chalana.

Já segundo a Gheranda Samhita “existem vinte e cinco mudras, cuja prática dá sucesso aos yogis. Eles são: Mahamudra, nabhomudra, uddiyana, jalándhara, mulabandha, mahabandha, mahavedha, khechari, viparitakarani, yoni, vajroli, shaktichalana, tadagi, manduki, shambhavi, pañchadhárana, ashvini, pashini, kaki, matangi, e bhujangini.”

E a Shiva Samhita, que enumera os mesmos dez mudras da Hatha Yoga Pradipika: “Agora vou dizer-te o melhor meio de se conseguir sucesso no Yoga. Os praticantes devem mantê-lo secreto. É o Yoga mais inacessível. Quando a deusa adormecida kundaliní é acordada pela graça do Guru, então todos os lótus e granthis (nós) são
logo atravessados sucessivas vezes. Assim, para que a deusa que dorme na boca de brahmarandhra (a entrada de sushumná nadi), seja acordada, os mudras devem ser praticados com grande cuidado. De muitos mudras, os dez seguintes são os melhores: Mahamudra, mahabandha, mahaveddha, khechari, jalándhara, mulabandha, viparitakarana, uddiyana, vajroli e shaktichalana.”

“Depois dos ásanas e dos bandhas, a prática do Hatha Yoga continua com as distintas variações de kumbhakas, os mudras e a concentração no som interior (nada).”
Hatha Yoga Pradipika (I, 56).

Confira agora a indicação da Hatha Yoga Pradipika:

“Shiva ensinou estes dez gestos que proporcionam os oitos poderes paranormais (siddhis); os yogis perfeitos (siddhas) esforçam-se na sua prática, mas os mudras são difíceis de serem dominados, mesmo pelos deuses.”

Estes poderes são os descritos no capítulo III, do Yoga-Sutra e são:

1. Animan, o poder de ficar pequeno como um átomo;

2. Mahiman, o poder de ficar imensamente grande;

3. Laghiman, o poder de ficar muito leve;

4. Prapti, o poder de alcançar todas as coisas, como conseguir tocar a lua com um dedo;

5. Prakamya, o poder de realizar instantaneamente todos os desejos;

6. Vashitva, o poder de controlar os objectos animados e inanimados;

7. Ishitritva, o poder de domínio sobre a matéria e os objectos que derivam dela.

8. Yatrakamavasayitva, o poder de determinar as coisas segundo o seu desejo.

A estes acrescenta-se a perfeição corporal (kaya siddhi) que Patañjali definiu no sutra III:47:

“A perfeição do corpo físico manifesta-se como beleza, graça, força, dureza e o brilho do diamante.”

A linguagem dos textos clássicos nem sempre é direta. É rica em metáforas, imagens e símbolos, é o testemunho escrito dos Mestres antigos, porque a sua viva voz, o ensinamento direto, só está acessível através do param-para (de boca a ouvido).

Saiba mais sobre alguns mudras descritos nos textos clássicos:

Bandhas
Uma das práticas de mudras citadas é o Maha bandha, o grande fecho, no qual uddiyana bandha, mula bandha e jalandhara bandha são feitos simultaneamente.
O Mula bandha é a contração dos esfíncteres do ânus e o períneo, puxando o assoalho pélvico para cima. Esta ação fortifica o assoalho pélvico, que é formado principalmente pelos músculos eretores do ânus e dos músculos coccígeos, permitindo à rede muscular resistir à pressão desenvolvida pelo empurrão de cima para baixo do diafragma, resultando em um aumento de pressão intra-abdominal estimulando a região sacra e pélvica.
A energia apana que está localizada na parte baixa do corpo é forçada para cima e alcança agni (fogo digestivo) no manipura chakra (chakra do plexo solar) e depois chega até o prana no anahata chakra (chakra do coração) provocando uma onda de calor que aquece todo o corpo. Este forte calor desperta o fogo interno do corpo e acorda a energia da kundalini e ajuda-a a penetrar o sushumna, o nadi (canal) central.

O Uddiyana bandha é a leve contração e suspensão do baixo ventre. Aqui o diafragma fica livre para fazer o seu movimento natural. Ao exalar contraia o abdômen, no final da exalação, o abdômen deve estar totalmente contraído, para cima e em direção à coluna. Com esta contração o diafragma levanta. A intenção é mover o umbigo na direção da espinha e os músculos retos e posteriores se contraírem. Na fase completa do uddiyana bandha todo o abdômen fica côncavo.
Este bandha eleva a energia. Quando os músculos abdominais são pressionados e levantados para cima e para baixo das costelas, o prana encaminha-se para as nadis, corrente de prana (energia vital) energizando-as fortemente, principalmente na área do manipura chakra, aumentando a temperatura do corpo, proporcionando o aumento do fogo digestivo, que remove as doenças dos órgãos abdominais.

Jalandhara bandha é a fixação do queixo em direção ao peito. A cabeça desce à frente, o pescoço se alonga e o queixo encontra a base da garganta. É necessário que o queixo esteja para baixo e a coluna ereta. A prática desse bandha regula o fluxo de ar e prana na região do coração e ativa os canais de ida e pingala, de forma que o prana seja dirigido para a sushumna nadi.
Tem o efeito de desobstruir as passagens nasais e regula o fluxo de sangue e de energia sutil para o coração, cabeça e glândulas endócrinas no pescoço (tireóide e paratireóide). Estimula o anahata chakra encaminhando a sua energia para a sushumna nadi, evitando que a mesma se disperse voltando para baixo. Ajuda a controlar as forças vitais e acorda a kundalini.

Mahamudra
Está descrito no Gheranda Samhita da seguinte forma: “pressione firmemente o ânus contra o calcanhar esquerdo, estenda o pé direito, segure os dedos com as mãos, contraia a garganta e olhe para o ponto ao meio das sobrancelhas. Inspirando repetidamente, encha-se de ar.” Pode ser mantida por cerca de oito respirações e deve ser feita com a outra perna também.

Viparita Karani
Segundo o Gheranda Samhita, o “O sol repousa na raiz do umbigo e a lua na raiz do palato. O sol consome o néctar da imortalidade e deste modo o homem é mantido sob o poder da morte. Ponha o sol para cima e traga a lua para baixo. Esse viparita karani é guardado em todos os Tantras”. A indicação do Hatha Yoga Pradipika é aumentar a duração da prática de forma gradual.

Jnana Mudra
Une o dedo polegar com o indicador e é muito utilizado para a prática de pranayama e meditação, pois fecha um circuito eletromagnético no corpo sutil do praticante, impedindo que a energia se disperse durante a prática. Estimula a respiração e a irrigação sangüínea no cérebro, aumenta as capacidades intelectuais e a memória e facilita a concentração no ajna chakra (chakra do terceiro olho). A percepção consciente do fechamento deste circuito energético leva à interiorização com mais facilidade.

Anjali Mudra
Une as palmas das mãos e significa uma reverência ou saudação. Na Índia, quando as mãos são colocadas na altura do peito o gesto equivale ao nosso aperto de mão. Para saudar os deuses as mãos são postas acima da cabeça e para saudar o mestre são posicionadas à frente da testa. Segundo o professor Anderson Allegro, o anjali mudra une os 18 chakras que temos em cada mão, fechando um circuito importante de energia.

Shiva Mudra
A mão direita aberta em concha repousa sobre a mão esquerda. É muito utilizado para prática de meditação. É um gesto receptivo que induz ao relaxamento. Segundo Ingrid Ramm-Bonwitt “Buda assumiu esse gesto quando se sentou sob uma figueira e mergulhou em meditação profunda”.



Fontes:
George Feuerstein, livro Uma Visão Profunda do Yoga
Ingrid Ramm-Bonwitt, livro Mudras

Foto da dançarina indiana: Bharata Natyam dancer of Sri Devi Nrithyalaya Bharatanatyam school in Chennai.

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